segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Corpo criativo - Texto técnico.

“Mulungum” – Peça em processo.
O corpo criador a partir de técnicas de Teatro Físico.

Eu e Lívia desenvolvemos essa reflexão sobre o momento do devir criativo baseados no nosso processo específico dessa peça. Nele, a partir do nosso repertório técnico, criamos caminhos próprios, orgânicos, de concepção de cena. (Esse pequeno e despretencioso pensar sobre um processo corporal criativo não teria sentido se descolado do histórico de seus autores.)
Sobre essa criação e sobre o devir do corpo criativo, segue esse papo meu (Danilo) ator e autor da peça, com a Livia (Atriz da peça e parceira de concepção de treinamento):

Como é, dentro desse processo específico, a concepção corporal e criação de cena?

Vou tentar refletir usando um exemplo recente de uma cena do “Mulungum”.
A gente estava trabalhando com mímeses. Selecionei algumas referências pro personagem principal, algumas fotos e quadros naquele momento, então surge essa foto de um ator interpretando Jesus sendo crucificado. É no momento exato que estão martelando um dos pregos em sua mão e “Jesus” tem um forte olhar pra esse algóz que o está crucificando.
Para prepararmos o corpo, no dia em que eu iria trabalhar essa foto, passamos por um processo de níveis de tensão. Começamos criando tensão em partes diferentes do corpo e relaxando o resto do corpo, trabalhando esse isolamento. Depois distribuindo isso e dançando a partir dessas tensões. Deixando movimentos surgirem chamados por essas tensões. Dançamos com vários níveis diferentes de tensão que percorriam o corpo, inspirados na pesquisa do Lecoq dos níveis de tensão. Distribuímos isso pelo corpo, criando também diferentes níveis de tensões simultâneos por todo o corpo e dançando apartir disso. Dançamos durante uma hora, depois colocamos músicas e ficamos experimentando as sensações dessa dança das tensões e da influência sonora. Depois, deixamos de pensar nas tensões e dançamos mais meia hora livres, com essa memória recente já impressa no corpo. Nesse estado, fui olhar a foto novamente e dançar a partir das impressões e das fisicalidades desse registro. Começo a dançar e, depois de um tempo, surge uma cena. Nesse momento eu sinto que meu corpo pediu, muito mais que minha razão, uma movimentação pra expressar essa sensação em que eu me coloco. Me lembro então que o Simioni, assistindo a uma das cenas, me sugeriu que eu tentasse fazê-la imóvel, só com exploração de voz, ressonadores, expressões faciais e movimentos da cabeça. A sensação dessa cena que foi sendo criada, após a dança dos níveis de tensão e a influência da foto, me trouxe na hora pra aquela outra experiência da cena sugerida pelo Simioni. Isso exatamente porque eu estava fazendo uma mímese de uma foto de um ser crucificado, preso, imóvel e minha memória muscular, dentro do “jogo” dos níveis de tensão, me trouxe pra essa sensação novamente. De repente tudo se encaixa: o poeta, o personagem principal, nessa cena que o Simioni propõe, está imóvel fazendo um texto sobre o amor, tratando do exato momento em que Deus expulsa Adão e Eva do paraíso. O poeta se identifica com o Adão do poema que, mesmo perdendo o paraíso, expressa sua crença no amor. A imobilidade do Adão, vivida pelo poeta diante da destruição do paraíso, me remete a essa imobilidade de Jesus sendo pregado na cruz. Esse algóz da foto que prega a mão de Jesus, nesse instante, passa a ter, pra mim, na minha criação, o mesmo poder do Deus que encerra o paraíso, e Adão passaria a ser Jesus Cristo sendo punido. Na história da peça o Poeta acabara de perder seu filho por não conseguir cumprir um pacto com Deus. A dor vivida por Adão, Jesus e o Poeta, é de um mesmo cenário poético simbólico.
Conto esse desenrolar todo só pra que se tenha uma idéia de tudo que se gerou a partir de uma comoção corporal e alguns elementos físicos aplicados nesse instigar, para fazer esse corpo reagir criativamente. Não que essa história seja nescessária, na verdade não é a intensão tentar explicar o movimento e criar a história para traduzí-lo. Simplesmente essa é a história em que eu estou mergulhado no momento e meu corpo reage em relação a ela e aí a criação se faz. São maneiras diferentes em momentos diferentes de se chegar a esse ponto de criação. Como na cena de Deus, que eu achei a partir de um trabalho com o corpo do santo, técnica do LUME. Aí, eu acredito, está a ponte clara: o treinamento inserido na peça. Junto ao trabalho de dilatação e presença cênica.
Um outro elemento importante pra gente foi a opção da “colcha de retalhos” como proposta também de processo de criação da peça. Porque uma cena surge do trabalho de mímese unido ao trabalho dos níveis de tensão, outra cena surge do trabalho com o corpo do santo somado ao dançar fenômenos da natureza e a dinâmica com o objeto. Eu não pensei: “Hoje vou fazer uma cena misturando essas técnicas”. Essas cenas surgiram do treinamento. E aí o diferencial pra cada ator-criador. Porque a cena não se baseia num mesmo texto. Várias pessoas podem trabalhar essas técnicas, mas não é a técnica em si, é a comoção de um corpo único. Várias pessoas podem ter interpretações diferentes de um texto também, considerando as diferentes vivências de cada um, mas, ao meu ver, ainda é muito limitado porque vivemos sob muitos padrões de comportamento semelhantes. O corpo, quando realmente “desarmado”, mente menos do que a razão. Temos muito mais habilidade em disfarçar a partir da mente. O corpo traz respostas mais orgânicas quando “desarmado”. Logicamente que não visamos aqui colocar um contra o outro ou separá-los. Os dois estão sempre juntos, é simplesmente deixar o corpo guiar um pouco mais.
A variação das técnicas para se instigar o corpo também foi um caminho interessante pra gente. Cenas surgiram a partir de danças livres de Butoh, outras a partir da improvisação pós-exaustão. Trabalhamos e pensamos muito numa unidade ao final, mas deixamos a criação falar primeiro. Foi importante também ter tido um trabalho forte com o corpo do personagem, para ele se comover e se transformar com a textura de cada cena, mas ainda manter uma certa estrutura e não se misturar com a minha – corpo cotidiano do Danilo. O Zé é uma forma poética ampliada de mim mesmo que chamo de personagem, porque também não poderia chamar de persona, mas eu sei que sou eu, só não posso deixar que se descaracterize esse código poético que criei pra essa peça e, por isso, quanto mais vivo estiver no código mais posso me manter nele mesmo, mais ele me dá potência para me poetizar, e mais enriquecido e verdadeiro ele fica ao passar por tantas nuances e instigares diferentes. Acredito que, se tivéssemos optado por trabalhar a criação partindo de uma técnica apenas como meio de instigar o corpo, correríamos maior risco de uma peça chapada sem muita textura. A experimentação corporal variada de um corpo sincero, entregue, disponível, em risco, proposto a sair de seu estado de conforto, encontrou muito mais respostas e materiais para criação. Depois sim, pudemos organizar, aplicar dramaturgia, músicas, racionalizar mesmo, visando otimizar a comunicação e criar texturas de cenas não óbvias.
Outra coisa fundamental dentro do nosso processo foi não deixar o caminhar demasiado rígido. Ou seja, o foco existe, mas a permissividade também e, se surge uma cena que propõe um caminho diferente, vamos ouví-la.
A experimentação girou em torno de manter o corpo disponível através do treinamento diário, para que, ao mesmo tempo, criássemos racionalmente e pensássemos em elementos que gostaríamos de vivenciar em cena, e aí colocássemos o corpo disponível nessas situações, pra que ele nos desse as respostas de como poetizá-las. Estávamos em busca do máximo de organicidade na criação. Por isso, não queríamos aplicar técnicas às cenas para torná-las mais interessantes, queríamos que as cenas já surgissem do corpo em experimentação técnica. Sinto como dois caminhos paralelos que devem se cruzar naturalmente: a criação racional e a criação do corpo em treinamento e reações. Estamos pensando aí o Teatro Físico não só como treinamento e possibilidade de aplicação, mas como veículo de criação. Não é o pensamento lógico ditando como aplicar a técnica à criação, como método. É a técnica proporcionando um corpo criativo que deixa vazar uma expressão. Essa expressão pode ser qualquer coisa. Aí entra a razão e a sensibilidade para nos apropriarmos dessa expressão e enriquecermos a composição criada. Nesse momento, nos fazemos presentes enquanto atores-criadores, corpo e razão, para fazermos desse material uma peça, um espetáculo de dança, um número ou uma performance. Poderíamos pegar uma cena criada racionalmente com texto, por exemplo, e aplicarmos uma técnica nela. Mas essa técnica vai aparecer, porque é como uma camada de tinta em cima da cena, que vai ficar impregnada. Ela não foi motora da cena, foi uma roupagem. É como se eu ilustrasse a cena. Deixando o corpo viver essa técnica para aguçar memórias musculares e criar comoção artística, criamos as cenas de maneira mais orgânica, para que essa técnica, ao final, fique invisível. Porque não nos interessa que ela seja vista. O foco da criação passa a ser a minha expressão corporal (sem divisão de corpo, emoção, razão, alma, energia) para universalizar uma vivência pessoal, a minha reação a esses estímulos com verdade, para que o público sinta com verdade o que a eles comove. Aí não é mais a dança dos níveis de tensão, a mímese, o corpo do santo, é realmente o meu corpo em uma situação de comoção artística. E quando eu experimento esse corpo, com essa sensação dentro dessa situação (por exemplo a do Cristo), eu tenho meu corpo respondendo naturalmente como ele responderia nessas circunstâncias e me dando toda a complexidade dos sentimentos de estar vivendo isso. Quando olho o meu algóz que prega esse prego na minha mão, os níveis de tensão dançando no meu corpo são a fala e me dão a expressão para que meu corpo possa vazar isso, e para que as pessoas que me assistem possam “ler” e interpretar, dentro dos registros delas, essa movimentação. As pessoas que assistiram a criação dessa cena viram, cada uma a sua maneira, o comflito do perdão, do amor, com o medo e a indignação que eu realmente estava vivendo. Era a minha sensação física e emocional real, e não simplesmente projetada, que fazia meu corpo e meu olhar transmitirem aquelas sensações. Eu não pensava em contar história ou projetar memórias racionais e acredito não tê-lo feito. Aí eu, Danilo, posso contar o que o poeta Zé sentiu, o que esse Adão sentiu, o que esse Jesus sentiu, simplesmente porque eu sinto isso também. E aí eu acredito que as pessoas possam sentir, no registro delas, porque eu não estou representando a dor do Zé, nem do Adão, nem de Jesus, eu estou vivendo a minha dentro dessa estrutura poética que nos irmana. Eu não representei nem na criação e nem na cena, eu vivo isso, mas vivo para doar, como ferramenta de passagem, passagem de poesia. Eu não preciso aí tentar adivinhar o que a personagem está sentindo ou o que a pessoa da foto está sentindo, nem explicar o porquê daquela expressão ou das oposições do seu corpo, eu sinto e expresso o que o meu corpo sente nessa situação e com esses instigares. Isso é memória muscular do corpo em vida e aí, eu acredito, que se tem uma expressão “colada”, uma cena sincera e a vida poetizada em cena.

Final de 2009 - Estréia a peça "AMOR TALHADO E A FLOR DE MULUNGUM"


Danilo Dal Farra (Ator-criador)
Lívia Rios (Atriz-criadora)

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Só porque a alma é eterna e momentânea.

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Luz Própria

Queria escrever uma coisa bem simples, sem rima.
Ele me disse: Quando nascemos temos uma espécie de farol natural no peito.
Socialmente cicatrizado com o tempo.
E me pede: Abre com simplicidade.
Só isso.

quinta-feira, 20 de março de 2008

A genialidade do simples


O Touro de Picasso












A história do touro teve lugar no antigo ateliê de litografia de Mourlot, na Rua de Chabrol, em Paris, em 1945. Quem a conta é Jean Célestin, artesão litógrafo que trabalhava para Picasso e que disse dele: "Picasso me marcou. Ter trabalhado com ele enriqueceu a minha vida." Célestin não se cansa de repetir: "Ele tem um... quero dizer... tem dons incríveis. Ele é dotado de... ora, é um pintor."
Vale a pena ouvir a história do touro naquele ateliê enorme, onde se vê a tinta em massa brilhante, as máquinas rodando, os cartazes pendurados, trabalhadores em atividade, pintores passando.
"Um dia", diz Célestin, "ele começa o famoso touro. Um touro soberbo. Bem roliço. Pensei que estava pronto. Não estava. Veio um segundo estágio, um terceiro. Sempre bojudo. Picasso continua trabalhando. 0 touro já não é o mesmo. Vai diminuindo, diminuindo de peso. Henri Deschamps me disse que Picasso estava tirando em vez de pôr. Ao mesmo tempo ele ia decompondo o touro. E a cada passo tirávamos uma prova litográfica. Ele via que estávamos um pouco perplexos. Dizia uma brincadeira e continuava trabalhando. Outro touro apareceu. E cada vez sobrava menos touro. Picasso me olhava e ria, e uma vez disse a Henri: 'Vamos dar isso ao açougueiro. A dona de casa poderia dizer, quero este pedaço.' Finalmente, a cabeça do touro estava parecendo uma formiga."
E Célestin conclui a sua história: "Na última prova só restavam algumas linhas. Eu olhava o artista trabalhar. Ele suprimia, suprimia. Pensei no primeiro touro, e disse comigo: é curioso; ele terminou por onde normalmente devia começar, Mas Picasso procurava o seu touro. E para chegar ao touro de um único traço passou por todos aqueles outros touros. E quando se vê esse traço único não se pode imaginar o trabalho que o artista teve."
"Há pinturas que parecem não ter nada mas têm tudo" , disse Corot. 0 processo seguido por Picasso para chegar a esse touro é um exemplo magnífico. Cada etapa tem sua carga de realidade, e cada realidade busca uma nova verdade. E a versão definitiva leva em si a imagem que nos vem à mente quando dizemos a palavra touro.

Texto de Hélène Parmelin
Fotos tiradas de Picasso Lithographe,
de Fernand Mourlot, Ed. H. Sauret, Mônaco









simples - menos é mais.

segunda-feira, 17 de março de 2008

O poema do semelhante - Elisa Lucinda



O Deus da parecença
que nos costura em igualdade
que nos papel-carboniza em sentimento
que nos pluraliza
que nos banaliza
por baixo e por dentro,
foi este Deus que deu
destino aos meus versos,
Foi Ele quem arrancou deles a roupa de indivíduo
e deu-lhes outra de indivíduo ainda maior,
embora mais justa.

Me assusta e acalma
ser portadora de várias almas
de um só som comum eco
ser reverberante espelho,
semelhante ser a boca
ser a dona da palavra
sem dono de tanto dono que tem.

Esse Deus sabe que alguém
é apenas o singular da palavra multidão
É mundão
todo mundo beija
todo mundo almeja
todo mundo deseja
todo mundo chora
alguns por dentro
alguns por fora
alguém sempre chega
alguém sempre demora.

O Deus que cuida
do não-desperdício dos poetas
deu-me essa festa de similitude
bateu-me no peito do meu amigo
encostou-me a ele em atitude
de verso beijo e umbigos,
extirpou de mim o exclusivo:
a solidão da bravura
a solidão do medo
a solidão da usura
a solidão da coragem
a solidão da bobagem
a solidão da virtude
a solidão da viagem
a solidão do erro
a solidão do sexo
a solidão do zelo
a solidão do nexo.

O Deus soprador de carmas
deu de eu ser parecida
Aparecida santa puta criança
deu de me fazer diferente
pra que eu provasse da alegria
de ser igual a toda gente

Esse Deus deu coletivo ao meu particular
sem eu nem reclamar
Foi Ele, o Deus da par-essência
O Deus da essência par.

Não fosse a inteligência da semelhança
seria só o meu amor
seria só a minha dor
bobinha e sem bonança
seria sozinha minha esperança

Das Vantagens de Ser Bobo - Clarice Lispector




O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando."Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nuncaparece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro.Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?"Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida.Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

Flor (para Lívia Rios)


Muito amor, muita luz, um olhar que sorri, um passeio de pé descalço, um cochilo na rede aninhados, uma pipoca no cinema, atravessar o lago com bagagem na cabeça, uma risada engraçada, uma simplicidade sincera, uma sinceridade sensivel, uma sensibilidade de artista, uma arte de força, coragem e verdade, um choro de entrega, uma entrega pra vida, uma vida pro seu caminho, muita coragem, muito cultivo dos afetos distantes ou próximos, uma salada com shoyo, arrumar a casa, o café de manhã, um amor que transborda, um carinho simples e gratuito, uma espontaneidade linda, um jogo de capoeira, um por do sol na praia, fogos no meio da rua, uma felicidade por quase nada, um carinho na mão, uma fresta de sol, uma planta que nasceu no quintal, uma comida com amor, uma alegria boba de tomar chuva na 25 de março lotada, as moedas perdidas no fundo da mochila, um sorvete de massa na promoção, um passeio na paulista. Planos, sonhos e esperança. Muita poesia, muito suor. Mas muito prazer e alegria em suar pela vida.

sábado, 15 de março de 2008

Nervo exposto


E essa precisão dele de que as coisas fossem justas. Esse não entendimento de sua obra como oração. A agonia em fazer mais. Por que lhe deram esses olhos? É a responsabilidade pelas cores que se vê. Aí se encontra o movimento. Ele sabe de onde vem e os detalhes de cada árvore na beira da estrada. Aquela conversa doce de alguém dessa família. O modo como a mão pressiona a xícara de chá sem medo de se queimar. Mãos firmes que velam. Ouve as pétalas encostarem-se ao chão. Assopram em seu ouvido. Mensagem que entra gelada carvão e deve sair como caldo macio pois essa é sua missão. A ignorância não nos tira a responsabilidade, então essa é sina, não existe máscara nenhuma que sirva. Já está identificado. Então limpa o rosto e todas as manhãs busca movimentos diferentes. E a vida arde, mas o acalanto dos vapores suaviza seu peito e nesse entre, fala que a responsabilidade da bala que fura o peito é do próprio assassinado.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Pés cobertos


Já fui intensamente dramático, hoje sou alegre. E a alegria nada tem de superficialidade. É um poder ensinado pelo artísta Gastão que propõe transformação. A simplicidade de fazer desses grandes mergulhos momentos ridículos de totais importância, bobagens intenças e verdadeiras, brilho nos olhos de um chorar bom, cantos de dores belas, partidas e perdas poéticas coloridas, perdões. O não se levar tão a sério num exercício de humildade. E rir muito para elevar esse valor do simples, do ridículo, do instante, do humano. E aí sim entender a música do Chaplin, o cheiro de sopa quente, as cores aconchegantes familiares, os pés cobertos, a família em roda tocando, a falta de medo das crianças e um filme maravilhosamente ridículo como o Trem da Vida, O Garoto ou Pequena Miss Sunschine ...

Pássaro


Voando pela janela da sala. Penas que caem. Se debate contra as paredes. Esse céu branco de muros não é seu mundo. Agoniza uma dor no peito pela falta de liberdade. Esbarra com vidas afoitas do dia a dia. Seres que fazem fumaça e espelem sons desarmônicos. Aquela sala de tanta coisa e os limites. Então para. Respira. Localiza a janela por onde entrou e sai.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Movimento


Mãos que buscam um jardim na cabeça. Um mínimo ponto na parede. Carros passam por traz da cabeça. Uma cidade em chamas nas costas. Pés que andam sobre uma longa cabeleira entre dois icebergs. Joelhos passeiam por montanhas de papel. Fumaça de incenso sai do topo da cabeça. Oposições artesanais para medos reais. Clarice queria escrever movimento puro. A perda é um grande movimento puro.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Árvore




Pétalas que caem sobre raízes enrijecidas. Raízes rígidas e profundas para então o tronco se expor ainda rígido e firme. Os galhos que nascem mais ousados e flexíveis se distanciando do centro e se lançando no espaço, rasgando o vazio na incerteza. Folhas livres da rigidez, leves e soltas, dançando a chuva, o vento e os animais que a cercam. Folhas levadas a brincar essa profundidade que as sustenta. E aí então a flor que se expõe completamente na beleza de sua entrega, no máximo de sua fragilidade, para intensamente viver instantes e então se permitir morrer, e no momento mais belo, soltar suas pétalas para que pousem já escuras, sobre as raízes permanecidas. Pétalas que caem sobre raízes enrijecidas.

O que não era pra ser

Sempre que penso que eu queria muito que algo tivesse acontecido, chega à conclusão de que não era pra ser...Aceitação, redenção, projeção. Projeto-me porque seguir é urgente, mesmo, e principalmente, pelo não-acontecimento. E pelo não-acontecido mover-me com mais força, com pressa, porque novos acontecimentos virão...E é preciso preparar-se pra eles! Equilibrar o estado presente, desobstruir os canais, abrir espaços, andar mesmo cambaleando... Ouço choro de criança no andar de cima! Vida nova inocente, sem as maldades do mundo, sem as dores que corrompem, sem mãos petrificadas. Simplesmente um choro de urgência, porque precisa de colo, porque sente dor de ouvido, porque sente fome, porque ta com sono... Simples, sincero, angustiante. Não é sabido o motivo, não existe explicação clara. E nem precisa...Acostumamos a ter que explicar nossas dores, dores sem nome, sem endereço, sem dia útil, sem horário eleitoral. Dores sentidas e escondidas, contidas, oprimidas, fugazmente adormecidas por momentos de falsa plenitude. E choramos quando podemos chorar, dormimos quando o céu escurece, comemos quando o sinal toca. A vida dá sinais de ordem, ordem e progresso! Progrido ordenando a minha paz, o meu recesso. Recolho-me e choro, ou rio quando não se pode chorar. E regresso ao colo materno, pedindo desculpas por tantas vezes que sorri ou chorei demais. Chorar demais ou rir demais é sinal de fraqueza...e o mundo não é para os fracos! “Sorri, quando o sol perder a luz e sentires uma cruz, nos teus ombros, cansados, dou ridos. Sorri, vai mentindo a tua dor, que ao notar que tu sorris, todo mundo irá supor que és feliz...”

Gráfico


Sobe, desce. Enche, esvazia. Molha, seca. Afunda, respira. Chora, ri. Sente, adormece. Colore, apaga. Nasce, morre. E a vida segue... O gráfico aponta os picos. As lágrimas derramam e marcam os mais baixos pontos do gráfico. Equilibrar-se no gráfico da vida, viver a complexidade do existir. O ser humano, feito de luz e sombra, assume as sombras como parte sua necessária à luz, assim como a dor do parto para o surgimento de uma nova vida, de um novo gráfico.

Ser uno

Obra de arte, artista. Ficção, realidade. Deus, homem. Artesão, cadeira. Mãos de pedreiro construindo prédios. Tudo se une num só lugar, que é o presente, que é o instante em que o criador se une à criatura. Obra lançada no espaço, torna-se criatura do mundo, obra de todas as mãos, fotografia de todos os olhos, paixão de todos os amantes. O individual-universal, ser uno, expondo a alma do mundo.

Certo erro

“Quem sabe- quem sabe se o que é certo está exatamente no erro? Se é verdade, quantos erros frutíferos eu perdi. Isso contraria tudo o que aprendi e tudo o que a sociedade humana me ensinou. Por medo do erro, eu me abastardei. Para evitar o erro, eu nada de grande ousei. Eu, de pé na rua, faço sombra no chão. Aminha sombra é o meu avesso do certo, a minha sombra é o meu erro- e esta sombra-erro me pertence, só eu a possuo em mim, eu sou a única pessoa no mundo que calhou de ser eu. Tenho pois o direito adquirido de ser eu? E quero agora meus erros de volta. Reivindico-os.” Clarice Lispector

Um dia de nada, obrigada

Nada. Sinto-me longe, muito longe de mim. Sobrevôo e me observo...Distancio-me do bom e do ruim. Não reconheço meu corpo e tenho tempo, muito tempo, pra ter certeza do quão distante me encontro. Essa solidão de tempo, quase infinita, me faz menor, tão pequenina como um embrião. Penso em voltar pra casa, pentear os cabelos, lavar o rosto, olhar no espelho e me fazer cafuné. Criança pedindo atenção...Consolo-me em perceber que o dia continua como um dia qualquer para todos...As coisas estão no mesmo lugar, pessoas fazem as mesmas coisas. Eu volto do vazio, da rachadura no tempo, e escuto a voz do amor, doce, cantando melodias conhecidas por nós. Refaço-me com seu canto, volto a ser mulher da vida, mulher de amar. Sim, sou eu sim de novo em mim! Volto pro meu corpo, depois de ter sido só corpo, só alma dilacerada pelas formas da vida. Volto com mais humanidade...Vaso colado, pós-dilacerado ao ver o tempo correr. Ganho outra dimensão, torno-me tridimensional. Mais profundo como um buraco cavado pelas ondas do mar em dia de ressaca. Num dia de nada tudo é pós. Pós-nada, pós-encontro consigo. Num dia de nada, obrigada pelo pós-tudo.

De-vir

Jogar-se no vazio...Frio na barriga antes de entrar em cena, inexorável condição de vida de artista. E é, de súbito, um estar no meio da festa de si. Bêbada do “eu”, beba do “eu”, doeu...Tonta em fatos, me faltam retratos. Nada espero, a vida toda está ali, imersa, no vazio da presença. Lançar-se, abandonar-se. Achar-se perdida em longínquas vivências...E encontrar o de-vir, fluxo de vida pessoal e intransferível. Entregar-se, perder o “si” dentro de si. Conduzir-se, aproveitar cada pequeno instante de pulso de vida. Que pulsa, pulsa, pulsa...Como andar numa corda-bamba, é muito tênue a linha que divide o sucesso e o fracasso. Labirinto, ruas sem saída, beco desconhecido.

domingo, 9 de março de 2008

Falta de Luz Elétrica


Acredito na falta de luz elétrica. Acredito no desconforto que esse silêncio traz. Acredito no inacabado desse silêncio. Onde os primeiros poemas foram escritos, mas não publicados. Onde momentos ridículos foram intensamente vividos. Onde sutilmente as árvores quebraram as calçadas com suas raízes. Acredito nesse silêncio perturbador que pega os artistas pelo pescoço e não os deixa esquecer do que precisa ser expressado. Acredito no frio na barriga ao ver um palco vazio sem saber o que vai acontecer lá. Acredito numa arte de urgências onde possa me beber nela e ver vida novamente, à luz natural, olhando no olho, com pessoas reais ao meu lado e sem luz elétrica.

Plena vida


Então nos tiram toda cobertura de carne, escorrem todo o sangue, recolhem os ossos. E aí estamos, pelas ruas, pelos palcos, pelas praças, parecidos conosco, como uma estrela. Quando eu morrer quero ser lembrado por este momento onde consumo toda minha vida, de uma vez, em um só instante. E é por que eu vivo assim, e sempre, que a cada instante, consumo novamente toda a minha vida, porque ela, a vida, transborda aqui (aponta o peito) e me enche dela novamente para que eu possa consumi-la toda novamente. Quando eu morrer quero lembrar o quanto de vida não economizei, o quanto vivi, intensamente, e, consciente dos perigos, vivi ainda mais intensamente, só de birra, e fui ainda mais feliz, só de birra.

Urgência


Viver sempre como se o tudo fosse acabar em alguns instantes e amar sempre como se nunca mais pudesse amar e abraçar e beijar como se nunca mais pudesse tocar em ninguém...Respirar.Respirar o máximo de vida que se pode ter nos pulmões.Expressar tudo que foi economizado sobre o que se pensa e sente. Agir, Impulso e se desvencilhar dos corpos que caem sobre ti e continuar lutando...Mirar cada pequeno e próximo recomeço e ir com sede curtindo cada instante vendo as flores mais altas das árvores escondidas atrás dos edifícios.E ficar em silêncio, ouvindo...Mas tudo ao mesmo tempo sem precisar fazer força pra isso, como se fosse um estado natural e fechar os olhos, sim, os olhos. Então levanta a cabeça outra vez, morde o maxilar como no ritual,joga tudo fora, até as roupas do corpo e limpa aquela velha mala e coloca coisas novas, abre o olho lentamente, olha pro céu e adivinha o formato da nuvem, esquece a culpa dos outros que se matam e só saiba das coisas que aprendeu até agora e então comece, tudo de novo

Cores


E aí estão os que vivem, soltos pelas cores... Pediram-me para viver cinza as coisas como deveriam ser. Pediram-me pra não entender o preto dos ódios implícitos e não saber o vermelho sangue que meu irmão me traiu. Pediram-me para não notar o verde musgo e não falar dos podres cheiros familiares. Pediram-me para aceitar a igreja e a sociedade com suas falsas cores pasteis. Pediram-me pra não entender as intenções das sombras. Avisaram-me que se não puder tudo bem, eles me piram, me ridicularizam e dizem que enxergo preto e branco como um cão. Tenho outras armas, enxergo todas as cores, tenho cores também pra usar em meus quadros, tenho idéias, tenho a arte e, como samurai, a batalha é minha alma - Azul.

Rastro


Mas o traço é o mesmo. Aquele que sinalizava o caminho que tu mesmo decidiu outrora, de olhos abertos, percorrer. Os sinais são seus também. Esses que te iluminam pra que não percas o caminho. Pela dor ou por amor. Sintonizamos no que é nosso e seguimos nosso rastro ou teimamos em desviar e em sofrer nosso próprio vazio.O livre arbítrio tb o é - real. Por isso temos dores e amores e a capacidade de nos ensurdecer ou enxergar sinais.

Temos o livre arbítrio para nos tornarmos seres medíocres no mundo. Não acrescentarmos nada, não amarmos nada, seguirmos numa massa emburrecida e alimentando o que de pior há no mundo. A insistência de não se entregar ao caminho mais fácil é gratificante. Não por ninguém, no final sempre foi entre vc e vc mesmo, tudo. Justamente esse gostinho de se saber vivendo sinceramente pelos seus valores é que alimenta para a realização. Insistir, insistir e insistir, mesmo que tentem te convencer de que és maluco, mesmo se sentindo um et, mesmo que o coletivo grite a toda hora que está errado e que os exemplos do caminho "fácil" sejam comuns. Seja então mais forte, mais feliz, ame mais e fique mais convicto. Se vc souber usar do contra pra crescer, sensações revitalizantes te esperam num futuro breve

Contato


Mas do que nunca o contato é importante. Abracem demoradamente, olhem nos olhos, toquem, beijem, mãos, comprimentos, carinho, sorrisos, cafuné, papos, colo, acolhimento...Sem pudores, vergonha, orgulho...Afeto, afeto, afeto...Coração, coração, coração...O coletivo precisa com urgência. Troca .Observem as crianças descondicionadas. Espontaneidade e afeto. Com o coração aberto em vento por toda a eternidade. Com o coração doendo de tanta felicidade.

Teu próprio mestre


Conte contigo mesmo... conte muito contigo... pera aí acho que vc não tá entendendo... Conte realmente contigo e só contigo, verdadeiramente de todo coração e com toda confiança e entrega, só contigo. Quando a coisa pegar algumas pessoas podem até te amparar por alguns momentos mas quem vai te pegar fortemente pelo braço e nadar com toda força até a superfície novamente é esse cara. (vc)

Amigo


Eu acredito que o amigo verdadeiro é aquele que te avisa da ramela no olho e do ranho no nariz, o resto é política de convivência social. Não me atrai relações parciais e hipócritas. Verdade, transparência, objetividade e clareza de metas economizam muito tempo nas relações humanas.

Encontro com homens notáveis


"Quem não obedece a si mesmo é regido por outros. É mais fácil, muito mais fácil, obedecer a outro do que dirigir a si mesmo"

" Não tomar posse de seu plano de vida é deixar sua existência ser um acidente"

" Viver com segurança é perigoso"

"Viva enquanto viver! a morte perde seu terror quando se morre depois de consumida a própria vida. Caso não se viva no tempo certo, então nunca se conseguirá morrer no momento certo"

"Os sintomas são mensageiros de um significado e só desaparecerão quando sua mensagem for compreendida"
"O espírito de um homem se constrói a partir de suas escolhas"

" A criatividade e a descoberta são geradas na dor" Isso não significa que vc tem que procurar dor pra gerá-las, mas sim se concientizar, nos momentos de dor, dos aprendizados e descobertas que podem ser gerados.

"vida louca vida, vida breve já que eu não posso te levar quero que vc me leve"
"Eu... ...só sei insistir." Cazuza

Algun dia en cualquier parte indefectiblemente, has de encontrarte, contigo mismo y solo de ti depende, que sea la mas amarga de tus horas o tu mejor momento

"Tenho visto demasiado ódio para querer odiar""O caminho está cheio de asperezas, mas, não obstante fadigas e humilhações, eu tenho ainda um sonho..."Martin Luther King

"O homem não é senão o seu projeto, e só existe na medida em que realiza."Sartre

Wakan Tanka, Grande Mistério, Ensina-me a confiar em meu coração, em minha mente, em minha intuição, na minha sabedoria interna, nos sentidos do meu corpo, nas benções de meu espírito. Ensina-me a confiar nisso tudo, para que eu possa entrar no meu Espaço Sagrado e amar além de meu medo, E dessa forma Caminhar em Equilíbrio a cada passo do glorioso Avô Sol.

Deixa que a chuva vem lavar a mente de alguém que deseja sair cantando por aí, tentando sempre imaginar frases estranhas pra dizer, mensagens simples de entender. Cantando eu mando um alô para você que acreditou que podia ser mais feliz vendo o outro ser feliz e abriu seu coração e sorriso todo para ela.

"Um passo a frente e vc já não está no mesmo lugar"

Não adianta o orgulho, o egoismo, a vaidade, o dinheiro, a opulência, o abuso de autoridade. Morre o bom, morre o ruin, tudo na terra tem fim É a lei da divindade!Morre a árvore mais frondosa, morre o rio , morre o outeiro. Morre a mulher que é bonita, morre o homem do dinheiro, Morre quem faz tirania, Só não morre a poesia dada por Deus verdadeiro!


"Pode parecer contraditório, mas eu entendi o quanto a vida de cada um é valiosa e, ao mesmo tempo, o quanto somos frágeis enquanto seres humanos. Essa “sintonia” me parece fundamental para seguirmos em frente..."Vinícius Gaspar Garcia

"Eu sou quem procuro.Assim como as flores, os poetas não escolhem lugar ou classe social para florescer. Poderia ter virado raiz, mas a música mudou meu destino.Valorizo as coisas simples da vida como o cheiro da terra, as flores e os gravetos. Adoro conversar com pescadores, gente da terra, porque eu tenho aquele espírito. Me sinto feliz perto do verde. Me inspiro quando olho uma flor e uma folha."

Peito Aberto


–Agora eu vivo assim! De peito aberto pro meu amor e minha arte! E que eles venham e me usem!E que as coisas aconteçam como têm que acontecer! Como as coisas que são desse mundo:Feias e bonitas, boas e más!-Assim como Jesus que foi traído por um beijo.

Surdos


Outro dia o cabeludo falou:- Não importam os motivos da guerra,a paz ainda é mais importante que eles!Essa frase vive nos cabelos encaracolados, nas nucas maravilhosas,Mas se perdeu no labirinto de pensamentos poluídos pela falta de amor.Muita gente não ouviu porque não quis ouvir. Eles estão Surdos!

Amor


Um horror grande e mudo, um silêncio profundo.
No dia do pecado amortalhava o mundo.
E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo,Disse:Chega-te a mim! entra no meu amor,E à minha carne entrega tua carne em flor!Preme contra meu peito teu seio agitado,
E aprende a amar o Amor renovando o pecado!
Abençôo o teu crime, acolho o teu desgosto
Bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto!
Vê! Tudo nos repele!
A toda a criaçãosacode o mesmo horror e a mesma indignação...
A cólera de Deus torce as árvores, cresta
Como um tufão de fogo o seio da floresta,
Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios;
As estrelas estão cheias de calafrios;
Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu...
Vamos! Que importa Deus?
Desata, como um véu,
Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos!
Arda em chamas o chão; rasguem-te a pele os ramos;
Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos

Surjam feras a uivar de todos os caminhos;
E, vendo-te a sangrar das urzes através,
Se emaranhem no chão as serpes aos teus pés...
Que importa? O Amor, botão apenas entreaberto,
Ilumina o degredo e perfuma o deserto!
Amo-te! sou feliz! Porque, do Éden perdido,Levo tudo, levando o teu corpo querido!
Pode em redor de ti, tudo se aniquilar:
Tudo renascerá cantando ao teu olhar,
Tudo, mares e céus, arvores e montanhas,
Porque a Vida perpétua arde em tuas entranhas!
Rosas te brotarão da boca, se cantares!
Rios te correrão dos olhos, se chorares!
E se, em torno ao teu corpo encantador e nu,
Tudo morrer, que importa?
A natureza és tu,
Agora que és mulher, agora que pecaste!
Ah! Bendito o momento em que me revelas-te
O amor com teu pecado, e a vida com teu crime!
Porque, livre de Deus redimido e sublime,
homem fico na terra, à luz dos olhos teus-
Terra, melhor que o Céu! homem maior que Deus!

Ator criador


As verdades sobre a existência? ... é mentira! Ninguém sabe a verdade.
As verdades sobre os relacionamentos humanos? ...ninguém sabe.
A vida é papel em branco, palco vazio - a gente inventa. E digo mais: Inventa tudo!

Somos


Agora, espremem nossa cobertura de carne, tiram os ossos, escorrem todo o sangue, e aí estamos, como almas, perdidas, sozinhas ... Iguais

Deus


Um dia um homem qualquer há de erguer as mãos para o céu, e, encarando seu criador, com sua simples condição de uma parte que é, levantar a voz e dizer:
- Dança comigo. Porque a noite já fizeste e o sol e as águas. Agora simplesmente pisa esse barro debaixo dos meus pés e dança comigo. Dança com essa parte pequena do que és tu. Ouve essa música? São tantos os medos nossos e os erros que meu corpo agora esmorece e minha mente cansada já não exige mais nada de ti. Simplesmente uma dança, como quiseres: uma alegre ou lenta e sofrida. Abraça-me ao final.

Risco


O pior risco é o risco do “se”, "se tivessemos vivido isso."
Não consigo entrar num palco se estiver seguro de tudo que vai acontecer ali. A vida não é assim, porque o palco teria que ser? Adoro o vazio, o nada: a possibilidade de tudo e qualquer coisa, pois não tenho medo de sombra. Que tipo de luz seria digna se vivesse na inexistência de sombra? Prefiro ter cem cicatrizes por um amor verdadeiro do que passar ileso pela vida.

Salto


Salto, abro os braços e mergulho ar ar ar ar ar ar ar ar ar uma queda infinita... marrrrrr mergulho profundo, pleno. Deixo tranqüilo que o Mar me leve de novo à superfície.
Encho o peito de ar e olho pro céu...
...tanta poesia tentando alcançar esse simples...
...inspiro entregue, acolhido no mar... ... dias de janeiro... deito.
Luz Muda. O mar revolto, o vento forte, o céu preto, sombra, redemoinho...
Pro fundo entregue, nos braços do mar, sem resistência...
Cavernas, dentes, escuro, restos mortais...Existo, seguro do que devo, olho no olho do bicho no fundo da caverna...
Olhos castanhos cor de mel, tormenta sempre passa...
Um soluço estranho, mais parece uma risada... Conduz teu corpo sem se mexer.
À tona de novo, agora entendi.

Pedras e retalhos


A vida não é a soma de pedras, buracos e flores que cruzam seu caminho, mas sim o que você tira delas, como você se relaciona com elas e como você se modifica com elas. Fechar é como viver em casa e se convencer de que nada existe lá fora. Por isso eu, mesmo correndo tanto risco, abro janelas e portas, sempre mais, e faço com que tudo que me modifique, modifique sempre pra melhor. Por isso eu choro sempre mais (é muito difícil pra mim, chorar) pois lavo cada vez mais minha alma que está reaprendendo a se abrir. Choro com essa cachoeira de vida no peito - é tudo tão intenso que às vezes acho que vou enlouquecer, mas continuo optando em deixar esse volume de água bater no peito. Por isso sinto meu amor aumentar e minha capacidade de senti-lo e trocá-lo ser cada vez maior. Por isso não recuo, minha vida é só pra frente. Por isso vivo o presente, pois amo essa vida agora, assim. Por isso me modifico: pra ele, pra esse exato instante. Por isso não tenho medo de errar. Por isso não tenho medo de ter medo. E erro muito. E me divirto com isso. Pois o instante tem essa perfeição de ser imperfeito de poder conter erros e acertos, mas principalmente ser.

O ridículo instante


A vida é feita de instantes. As pessoas vivem a procura de algo que há de fazê-las felizes, deixando pra traz momentos “ridículos” de vida. Preservam energia, economizam vida, evitam riscos, para que o “momento certo” seja alcançado e o que há de fazê-las felizes, adquirido. A posse é uma merda. Pois eu te digo que são justamente esses instantes “ridículos”, a vida que elas perderam, os responsáveis pelas maiores alegrias. Instantes passam e elas continuam ignorando a vida em busca do momento mágico onde algo vai resolver tudo. Esse momento nunca chega ou essas pessoas se desapontam quanto pensam ter alcançado-o, pois economizaram vida de mais. E foram tratores, esmagando toda vida que queriam viver.

Manifesto




Manifesto Poético pelo Afeto – Danilo Dal Farra.

Só o afeto nos põe em contato real conosco e com os outros. O afeto não passivo, o afeto atuante, fruto de uma agressividade por vida, como a árvore que quebra, com suas raízes, o concreto das calçadas.
Contra toda hipocrisia de sorrisos amarelos e relações à meia ponta, eu apelo pela urgência deste contato. Pela liberdade de ver, olhar, enxergar, de verdade, toda a verdade, seja ela o que for, sem filtros, e tocá-la, tendo ela a aparência que tiver, tendo ela defeitos na pele.
Que essas verdades sejam berradas nas ruas, que as troquemos nas praças, que dancemos com todas nos palcos, que nos embriaguemos das nossas e quantas mais quisermos. Que elas possam ser feias e bonitas, boas e más, como as coisas que são desse mundo. E que, ainda assim, possam se transformar a qualquer momento.

Queria me fazer entender de modo ríspido e simples como tiro no peito, mas sou poeta, vejo cenas do meu passado. Vejo um ensaio de escola de samba no morro, uma Folia de Reis que corre a rua, uma feira folclórica com poetas e cantadores. Vejo também pessoas comprando em um grande shopping da cidade grande, grande, grande, tão grande que não me lembro...
Vejo o menino correndo nu, filho de todo mundo. Vejo-me garoto, comendo no prato de alguém que não sei quem, naquela multidão de rostos fraternos da praça da igreja. Vejo também, desde sempre, tantas crianças artistas. Mas vejo os falsos poderes e o número de fitas de videogame, o olhar distante, muros altos, crianças adultas... Espera aí, Espera aí... Eles se esbarram, duas crianças, uns seis anos mais ou menos, eles se olham... Mas o tempo dos adultos lembra que é hora, que é hora, que é hora, da aula de inglês, do kumom, da computação... Porque eles serão preparados para o mundo, para o futuro, para aprender as coisas que os adultos têm para ensinar.

INDIGNAÇÃO! Mesmo que poética, INDIGNAÇÃO!

Pessoas constroem muros entre elas enquanto a religião derrama culpa num caldo grosso de moldes sociais onde, mergulhados, desistimos de tentar nadar até o outro...
Pois não desistam! Não desistam de tocar no que é você e no que são os outros. Logo aí depois das máscaras!

Que as televisões sejam desligadas e que as pessoas conversem, que saiam da internet e se reúnam ao redor de grandes fogueiras, tocando, cantando e fazendo poesia. Que possam se olhar nos olhos e que nesses olhos vejam a si mesmas para então poderem falar de amor. De amor de verdade. Sem subir de volta a superfície, mas mergulhando cada vez mais fundo no olho do outro, onde possam encontrar o contato verdadeiro e que, por causa dele e através dele, se expressem. Que essa expressão seja sincera, espontânea e divina como a de criança humana. Que rompa a neblina e quebre os muros dos labirintos criados pela falta desse amor. E que os olhos vejam só os olhos. Que esse olhar faça brotar flores e amarelas elas sejam, para colorir esse caminho que é de cada um e é de todos. E assim, entendam todos que o pecado é não viver. E que a compreensão da mais pura das verdades, que é a da necessidade do outro e de si próprio, leve consigo, como forte vento, todos os medos.
Que as pessoas se toquem, troquem afeto e sejam, simplesmente sejam, como humanas crianças eternamente, assim como o Cristo do Poeta o fez.

Agradeço aos qua acreditam em mim, me estimulam e incentivam e também aos que não acreditam, me provocam, me testam e me fazem reagir. Dedico este manifesto simples e talvez ingênuo, aos meus amigos artistas. Pelo contato e afeto que, muitos sem saber, me dedicaram, me fazendo recordar que nossa arte é sobre relações humanas e generosidade. Obrigado.

Encontros


Eu acredito no encontro das almas. As almas só se encontram quando se expressam. Se as expressões são verdadeiras, de alma, elas podem se encontrar em qualquer lugar, de qualquer forma. Quando a alma faz ressoar sua verdade mais pura dançando, escrevendo, falando apresentando uma peça, ou simplesmente sendo, ela sintoniza com outras almas da mesma fonte. Sim, existem inúmeras interferências e projeções, por isso é preciso limpidez e expressões verdadeiras. Viva você quem é sem medo de acreditar, mas não procure no outro o que gostaria de ser. Se você estiver inteiro e vivendo sua verdade tudo acontece. Cada um teve sua história, suas batalhas, suas feridas... "eu não escondo minhas feridas" ... e aqui estamos, pelas ruas, pelas escolas, pelos shoppings, nos esbarrando e olhando feio. Somos assustados. Existe um pavor do contato, uma mágoa do outro, qualquer outro... tornamos nossas vidas mais difíceis, nos distanciamos, tornamos outras vidas mais difíceis...

Escuro


Eu me procuro o tempo todo, a cada dia. E disso, acredito, é feita a vida.
Às vezes me perco pensando demais em valores que não são meus. Mas, eu me acho, a cada dia. E disso, acredito é feita a vida.
Às vezes bato a cara na parede desse quarto escuro. Procuro portas e janelas. Mas as pancadas também me servem para mostrar onde não estão as saídas. Recolho-me e tento outra vez. E disso, acredito, é feita a vida.
Às vezes encontro frestas e abro portas e janelas, deixo entrar essa luz e me alimento dela. Então sigo para outro quarto escuro afim de abrir a casa inteira. E disso, acredito, é feita a vida.

Lívia Rios

Atriz, bailarina de butoh e palhaça.
- Faculdade de Artes Cênicas / Centro Federal Tecnológico do Ceará / 2004.1 a 2006.2;
- Atriz do curta-metragem “As Fabulosas Histórias de Chico Carneiro”- 2007;
- Fez a Oficina Para Palhaças com Adelvane Néia, em Barão Geraldo, no Feverestival de 2008;
- Contemplada pelo edital de 2007 da FUNCET(CE) de formação em teatro (pesquisa em teatro físico realizada durante todo o ano de 2007 em São Paulo), juntamente com o grupo Teatro Gira(CE);
- Módulo I de Mímica e Teatro Físico no Estúdio Luis Louis em São Paulo em 2007.1;
- Módulo II de Mímica e Teatro Físico no Estúdio Luis Louis em São Paulo em 2007.2;
- Afirmação da Potência do Ator-criador com Silvana Abreu em 2007.2;
- Oficina “Butoh-MA” com Tadashi Endo em julho de 2007;
- Projeto Ruagens- pesquisa de intervenção de uma banda de palhaços nas ruas de São Paulo, com o intuito de fazer música e criar roteiros com espaços abertos para a conclusão do mesmo a partir das sugestões do público presente;
- Curso de Performance no Centro Cultural Dragão do Mar em Fortaleza em janeiro de 2006;
- Espetáculo Quilombo, tratando da consciência negra, em 2005, juntamente com os integrantes do Espaço Cultural Água de Beber;
- Pesquisa na área do clown junto ao Teatro Gira desde 2005 , a qual se complementa por saídas de rua e envolvimento com o Projeto Y (apoio ao grupo de médicos da UFC-CE que possuem um trabalho de extensão dentro do hospital da mesma, similar ao conhecido Doutores da Alegria);
- 9 anos de capoeira;
- Habilidade com danças de salão e danças folclóricas(maculelê, côco, maracatu,...);
- Percussionista

Danilo Dal Farra

Danilo Dal Farra é ator, palhaço, performer e bailarino de Butoh formado na linha de pesquisa do grupo LUME - Barão Geraldo - Campinas. Fez cursos, acompanhou montagens e desenvolveu pesquisas corporais. Mudou-se para São Paulo participando, por dois anos, do Estúdio Luis Louis como ator pesquisador e passando pelo treinamento de potência do ator - Silvana Abreu, Decolagem do Clown - Ricardo Napoleão, Máscara neutra e expressiva - Tiche Viana e Ésio Magalhães, Teatro Físico e Mímica – Luis Louis.
Na sua trajetória, o ator desenvolveu pesquisas dentro de três linhas mestras de trabalho: o Clown, Teatro Físico e o Butoh, além do desenvolvimento de uma metodologia de treinamento técnico-corpóreo-vocal cotidiano. Trabalhou um ano no Núcleo de Pesquisa de Teatro Físico Teatro do Impulso dirigido por Gonzaga Pedrosa. Hoje integra, como palhaço de hospital, a equipe Mediclown e trabalha no Monólogo "Amor Talhado e a flor de Mulungum" escrito por ele e tendo a orientação de treinamento e direção por Carlos Simioni.

Em Campinas participou dos Workshops: Ressonadores de Voz do ator - Carlos Simione – LUME; Dinâmica com Objetos – Naomi – LUME.

Bailarino pesquisador em Butoh orientado por Tadashi Endo, apresentou o espetáculo “Michimichi” e segue em sua pesquisa nessa linguagem.
Como palhaço passou pelo treinamento com Ricardo Napoleão e pelos grupos De Velocípede e Ruagens. Atualmente segue sua pesquisa junto ao grupo de palhaços do Jogando no Quintal.

Extras:
Cantor lírico.
Músico profissional - Baterista e percussionista.