domingo, 18 de abril de 2010

O Grande Sabedor

A pele fina por falta do esfregar sincero dos pés na sujeira.
As veias razas, pois não tinha mais o jorro de sangue que lhe exigia o impulso.
Seus órgãos todos encapados com magipac, descansando, seguros.

Quanto mais envelhecia mais perfeito ficava.
Ficou honesto, fundou uma ONG em sua aldeia de pescadores.
Cada dia mais limpo, até que virou santo.
Quando Santo decretou que as crianças usassem sandálias como Jesus Cristo.
Em uma madrugada, todas as árvores caíram juntas. E ele mandou que fossem feitas caixas delas.

Eu era jovem, tinha apenas um pecado, mas o coloquei também lá dentro.
Como ele pedira foram postas no rio.
Mas nunca afundaram.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Eu Chovo

Pela fresta, corre um mundo em dilúvio. Uns se procuram, outros se acham. Raro encontro de almas. Caminham retos e estranhos. Se esqueceram de olhar, olhar nos olhos...mal sabem onde pisam. E vagam por aí, secos, se protegendo da vida com seus gurda-chuvas de aço. Seus olhos já não molham mais. E o mundo a exigir que fechemos as torneiras das casas, é tempo de racionamento de água. Pois que se abram as torneiras dos poros, eu quero chover como chovia antes.

domingo, 5 de julho de 2009

Tenho tentado fazer de dias longos minha vida.
Saudade das cicatrizes.Hoje armadura.Aí me entorpeço um pouco.
Sem cigarro, nem bebida, nem remédio.
Só do mundo que me suga e faz o tempo passar mais rápido.
Sigo tentando fazer de dias longos minha vida.
Fome de paz.

sábado, 27 de junho de 2009

Caminho


Escutar o silêncio da alma. Esvaziar-se para preencher-se. Para ser outro, o mesmo, o mesmo de sempre, guardado e esquecido num canto escuro. Reposicionar o "si", pra ter um "la" inundado de "sol". Orquestra de anjos, anunciando um novo momento. Música para os olhos, perfume para os ouvidos, gosto para os dedos, num só movimento único e grandioso, onde não haja mais separação entre Eu e Deus. Entre Mim e Ti. Entre Tu e Deus. Entre Nós e Ele. Tornamo-nos assim, e só assim, incrivelmente únicos.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Eu?

Uma mistura de alguém que arrancaria o coração do peito pra doar e de alguém que arrancaria o coração do peito de alguém para doar. É, de uma forma ou de outra, intenso. Hahaha
Mas ainda sem perder a ternura.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Memórias da Chuva


A chuva, sempre por um fio, constante ameaça. Ciclo da chuva. Condensação de alma, precipitada demais. Precipitei-me em querer enxergar através da neblina. Mal enxerguei, saí por aí andando, tropeçando no nada, no afastamento, no acostamento. O que esperar da tempestade? Clichê falar que há males que vem pro bem. Difícil não enxergar como catástrofe que desaba casas e arrasa construções. E a talvez inocente idéia de que das ruínas se constrói algo novo. Alaguei-me e permaneço com lama até as canelas. Dizem que caminhar assim fortalece as pernas. Sem remo, nem canoa. Prestes a cair num buraco a qualquer momento. E ter que recomeçar o caminho, em marcas d'água. Pisando em gotas. Construo barquinhos de papel e brinco pelo acostamento. Um cantinho, uma fresta de correnteza, um fluxo que resta. Desnivelamento, barranquei-me esparramada pelo asfalto. Pequena nuvem, em cima da minha cabeça, acompanha meus passos. Tento eu dar passos largos. Já sentiu existir uma nuvem só sua? Perseguidora nuvem. Enquanto todos caminham secos, deixo meu rastro de água e molho justamente a calçada do vizinho. Quem mais amei. Tudo cinza, cinza, cinza. Olha, ficar em baixo das árvores há risco de raio! A chuva caindo das árvores são folhas secas de outono. Pego-me dormindo e brincando entre estalinhos de folhas, umas nas outras. Valseio algumas palavras de amor que já não bastam mais. Passarinhos morreram na última tempestade. Foi muita água, foi tanta água que até o canário se afogou. O mais bonito. O mais puro. Mas eu juro, eu juro que nunca matei passarinho, passarinho não. Alguns sonhos. Cantei. Olhando a chuva fina da janela. Chovia em mim. Eu chovia. Na estação da chuva sequei-me por dentro. Tivera esperança. Sim, esperava a chuva de arroz banhar-me, mesmo que permanecesse achando grãos em mim por semanas, anos, a vida toda, infinitamente, nos cabelos, nas orelhas, entre os dedos. De mim, flexões, reflexões, reflexos do que nunca fui. Na melhor das hipóteses, silencio-me em poucas palavras. E continuo tentando falar menos do que o necessário. O justo. O quase não dito.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Manuel de Barros

Uma Didática da Invençãodo "O Livro das Ignorãnças" ed. Civilização Brasileira.
Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:

a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) 0 modo como as violetas preparam o dia para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existêncianum fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre 2 lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.Etc.etc.etc.

Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.